Arquivo do dia: 03/11/2012

Dando trabalho para muita gente, e recebendo… (1)

De repente, me dei conta que faz sete meses agora que estou sustentando com o dinheiro que estou investindo nessa obra umas dez famílias, algumas das quais têm três ou mais membros trabalhando conosco, ou se revezando para manter suas atividades (familiares, comerciais, ou agrícolas) e ao mesmo tempo contribuir à obra. Tem meninos que ajudam os adultos antes ou depois das aulas, às quais fazemos questão que não faltem (Katia, como educadora, é ferrenha a respeito, e não perde ocasião para doutrinar meninos e pais sobre a importância de estudar).

Temos algumas famílias do Mandira, a comunidade vizinha, de descendentes de quilombolas, que fica a cinco quilômetros da pousada. Depois de ter passado a vida toda como free-lance autônomo, ou como funcionário de uma empresa, é algo bem diferente e complexo estar dando trabalho, de forma bastante continuativa, para tanta gente, ser visto como a fonte de dinheiro e sustento. E com o tipo de empreitada que escolhemos, vai continuar sendo assim nos próximos anos, ainda que com menos gente. É um pouco como a responsabilidade abrangente, quase angustiante, que sentimos quando passamos de solteiro a ter família, ou aquela cósmica e eterna, quando nasce um filho. Com a diferença que o relacionamento se estende a pessoas – como posso dizer – externas, fora do nosso alcance, só relativamente escolhidas.

Dando trabalho para muita gente, e recebendo… (2)

Com algumas dessas pessoas que trabalham conosco, dia após dia, lado a lado, os laços vão se estreitando, surge uma ligação maior, uma confiança, um respeito, uma compreensão mútua; ou até uma associação, como surgiu no caso do Zacarias, que nos propûs uma sociedade para uma lancha, para levar seus hóspedes e os nossos para passeios no Lagamar, e cuja família toda (isto é, incluindo até irmã, cunhado e sobrinho) está bem presente na obra. Essa dependência, convivência e colaboração leva inevitavelmente, se não ficarmos mantendo distância com quem trabalha conosco (como faz tanta gente), a assimilar uns dos outros o que cada um tem para repassar.
Quanto já aprendemos do Zacarias, com seu conhecimento da região, da mata, do mangue, da comunidade, e quanto do Gilberto, com suas noções práticas de obra, adquiridas em anos e quase décadas de trabalho (está nos canteiros desde os quinze); quanto será que Franco conseguiu transmitir para o Júnior, nos três meses que tiveram um relacionamento quase tradicional de mestre e discípulo, de seu profundo conhecimento e amor da madeira; quanto Katia já conseguiu repassar de seus princípios éticos, atitudes e ideais, que suscitam o respeito geral, e quanto de suas soluções práticas e eficazes; e eu, por minha parte, quanto de minha visão de mundo tão ampla e viajada, e quanto de minha cultura estética e de minhas escolhas criativas, extremadas mas fascinantes…?

Sacos de areia, não; argila, não; poliuretano, não; calafetação, não; então…

Para tentar impedir que a comporta de tábuas de madeira que segura a saída da lagoa pare de vazar, deixando nosso lago cada vez mais minguante nos períodos de seca, tentamos de tudo: sacos de areia na entrada da água, argila nas frestas, poliuretano injetável (sob insistência do Gilberto, que sustenta que é o que usam nos estaleiros para os barcos, embora seja algo a ser confirmado), calafetação com algodão retorcido e martelado (este sim, o antigo método usado nos veleiros de madeira). Mas nenhum método confirmou-se realmente satisfatório e praticável: então, vamos apelar para algo mais bruto e eficaz. Vamos erguer uma pequena represa de alvenaria, com saídas no fundo que possam ser abertas a qualquer momento, se precisar, para dar vazão à agua (vai que desce uma enxurrada grande da montanha…). Nada como a prática e os erros para nos fazer voltar ao essencial e à simplicidade.